Fotopor : Leandro Andrade
Há quase trinta anos tive meu primeiro contato com a tatuagem, tinha 13 anos de idade e era um guri tímido que tinha como maior diversão no colégio ir para a Biblioteca ler livros ou desenhar fugindo de qualquer possibilidade de socialização. Foi numa dessas incursões aos livros que vi uma Enciclopédia falando sobre tatuagem e os guerreiros maoris, fiquei de cara fascinado com a ideia de desenhar no corpo.
Conversando com um amigo da rua o Lila, uma das poucas amizades que tinha na época, ele falou que tinha visto em uma viagem ao interior uma cara fazer uma e explicou mais ou menos como funcionava.
Dai foi um pulo pra eu ir na Casa do Colegial comprar o velho Nanquim Pelikan, uma agulha de injeção subcutânea e me esconder dentro de casa riscando minha primeira tattoo, um abutre na palma da mão que carrego até hoje com orgulho. Embora muitos digam que ele parece mais um jumento heheheh. Minha mãe lógico que descobriu rápido e foi uma bronca daquelas.
Um tempo depois comecei a fazer artesanato Hippie e em sociedade com esse amigo adquirimos uma maquininha de tattoo caseira e algumas tintas de um artesão (fruto do escambo de um bojão de cozinha e um colchão) . Foi uma bronca essa máquina, pois esse meu amigo tatuou os seus irmão menores com uma mão dando o dedo e pra completar a mãe dele pegou ele no quarto tatuando o próprio peito afora outros probleminhas que é melhor não contar aqui. Resultado tivemos que desfazer da máquina mais não do gosto por tattoo.
Com 16 anos fiz a minha primeira tatuagem de “verdade”, feita de máquina artesanal com um hippie lá na Rodoviária Velha, e fui o primeiro guri da escola a aparecer com tatuagem. Uma caveira que mais parecia Geleia dos Caça Fantasma, mais era foda demais, naquela época quase ninguém tinha tatuagem não existia estúdio e tudo era muito underground. Fiquei semanas me achando a ultima bolacha do pacote. Foi nessa época que aprendi a me socializar comecei a andar com a galera do Rock n Roll e guardo boas lembranças da turma que se reunia na Praça Clementino Procópio.
Por volta dos 17 anos minha vida deu uma reviravolta e descobri que ia ser pai, dai tive que buscar outros caminhos e abandonei a tatuagem e o artesanato hippie, que na época não existia qualquer possibilidade de profissionalização. Fui estudar pra fazer faculdade e arrumar uns bicos dando aula em escolinha e digitando trabalho em computador. Algum tempo depois me formei em Jornalismo e me encantei com a Direção de Arte em Publicidade e Fotografia Publicitária onde trabalhei por mais de dez anos e que me abriu as portas para o ensino em Universidade.
Com tudo isso a tatuagem não saiu da minha vida e da minha a cabeça e fui me tatuando com os amigos, primeiro Haroldo Tattoo que teve o primeiro estúdio profissional de tatuagem em Campina Grande e depois com os amigos do metal que estavam em começo da carreira o Sergio Tribal e o Hugo Leonardo Silva.
Nesse tempo consumi muita informação sobre tatuagem e acompanhava de perto a cena no Brasil e no Mundo em zines online como BME e Lost Art que tratavam sobre tatuagens e Body Modification. Virar tatuador nessa época não passava mais na cabeça, tinha a tatuagem como parte do estilo de vida underground que admirava e só. Meu tempo era consumido produzindo arte para propaganda, páginas de Internet e Fotografia de produto.
Em 2004 o “destino” tratou de marcar um novo encontro meu com a arte da tattoo. Nessa época além de todas as outras atividades que exercia entrei numa sociedade de confecção de roupas em Pernambuco e uma das minhas funçoes era desenvolver estampas para camisetas e biquínis. Não é que um belo dia apareceu uma coleção em uma das marcas que trabalhava cujo tema eram desenhos Old School e cultura Hot Rod, é lógico que fiquei bem feliz.
Um desenho aqui e outro ali e em pouco tempo voltei a desenhar no papel e as boas respostas aos meus rabiscos só aumentaram a vontade de me aproximar novamente da tatuagem. No anos seguinte com o Decimo terceiro comprei uma maquina de tattoo algumas tintas e comecei de forma despretensiosa a tatuar o povo de casa ( minha esposa Luana Meireles foi a primeira vitima) a mim mesmo e a alguns amigos que sou grato até hoje. Não tinha intenção de virar profissional era só um hobby para passar tempo.
Resultado com o passar do tempo a tatuagem foi tomando conta da minha vida, ganhando espaço até que 2006 larguei a fotografia publicitária, a direção de artes, sai da sociedade na confecção e montei um estúdio de tatuagem bem pequeno e acanhado o Mahadeva Custom Tattoo, em homenagem ao deus Hindu Shiva. O curioso que o nome veio de uma festa que fizemos um tempo atrás e não tinha dado muito certo heheheh Ah! Tb já fui DJ e fiz festas Raves no final dos anos 90.
Quando eu deixei tudo de lado pra apostar na tatuagem muita gente disse que tava ficando louco, meus parentes então no começo nem aceitavam a ideia de um familiar tatuar. Só tive apoio da minha esposa e filhas e de alguns poucos amigos, mais as coisas foram dando certo. Errei muito(quem nunca?) mais os acertos foram em número maior que os erros e o estúdio e a tatuagem foram ganhando espaço no mercado e na minha vida. Costumo falar que fui agraciado com a chance de viver muitas encarnações em uma única vida.
Nessa história já se passaram 10 anos e o que posso falar da tatuagem é que além de ser um dos links da minha vida com a cultura underground é o meu trabalho, meu ganha pão, minha paixão, motivo de 90% dos meus pensamentos, outros 10% são motos, carro antigo e Rock n Roll (heheheh brincadeira família).
Considero a tatuagem a arte visual mais nobre que existe, me desculpem as outras, pois ela é a única que utiliza como o suporte as mais perfeita das telas, a Pele humana. A ela dedico todo meu estudo, minha busca por excelência artística e técnica e não consigo me imaginar hoje sem ser tatuador.
Hoje tenho orgulho do meu trabalho e de ver que minha filha mais velha segue meus passos como uma boa e reconhecida tatuadora.
Pois é precisava compartilhar um pouco dessa história com vocês escrevendo esse textão (que é umas das formas que mais me sinto a vontade de para expressar meus pensamentos).
O que mais posso falar se não um: Feliz Dia do Tatuador para todos que amam essa arte e levam em suas mãos uma tradição que tem mais de 5000 anos de história.
Ps: A tatuagem já foi banida, discriminada, criminalizada tida como um desvio de caráter mais permaneceu viva até os dias de hoje. Torço para que um dia nossa profissão seja reconhecida oficialmente para que ameaças como a Lei do Ato Médico não mais aconteçam.
#naoaoatomedico #muitoalemdoinkmaster #tatuagem #clturaunderground
Campina Grande, 20 de Julho de 2016 as 23:40 min
Sóstenes Lopes
Jornalista e Tatuador no
Mahadeva Custom tattoo