domingo, 31 de maio de 2015

Arte e Conceito - Novos Rumos da Tatuagem



Qual o rumo da tatuagem contemporânea? Que caminhos essa arte deve apontar nas próximas décadas? A resposta pode ser encontrada nas mão de jovens artístas que buscam expandir os limites da arte corporal, criando uma forma nova de decorar os corpos aplicando um  conceito filosófico e um apelos estético novo, inspirados na pintura, nas artes gráficas e toda sorte de elementos da cultura de massas.

No final do Século XX a tatuagem parecia fadada a repetir velhas fórmulas e poucas novidades apareciam. O New School já estava ficando velho, e os revolucionários trabalhos Bio Orgânicos do Guy Aichtsonee  sua " reinvenção da tatuagem" não eram mais nenhuma novidade. Foi nesse cenário dominado pelos Set Flash que alguns novos artistas, vindos de outras formações começaram a experimentar novas maneiras de tatuar.

Um dos pioneiros lá pelo começo da década de 2000 foi o artista franco chinês Leon Lan-Hien. Formado em Desenho Industrial, Leon começou a experimentar outras técnicas  e ficou conhecido por suas tatuagens rabiscadas que logo ganharam o nome de Scracth Tattoo. Vi pela primeira vez o trabalhos dele através do BME ZINE por volta 2004 e confesso que fiquei bem impressionado com seus trabalhos de aspecto sujo bem diferente de tudo que já tinha visto.

Os trabalhos de Leon inspiraram vários novos artistas um exemplo é  Little Swastik, um jovem tatuador da Alemanhas que levou aos limites máximos o Scratch Tattoo. Algumas de suas tatuagens só podem ser vistas quando quatro ou cinco tatuados se juntam formando o desenho. Além de tatuador Little Swastika, ou Marc, é um dos nomes importantes quando se fala em Body Modification.

Misturando artes gráficas e tatuagem o francês  Xoil tem um estilo marcante. Suas Collage Tattoos são construídas inicialmente em editores de imagens como Photoshop e são uma mistura de fotografias em alto contraste tipicas dos fotolitos da industria gráfica, tipografias e sobreposição de camadas.

Um outro  estilo que ultimamente tem chamado bastante atenção é o Trash Polska.  Fruto da inquietação artística dos tatuadores Volko Merschky e Simone Pfaff do Buena Vista Tattoo Club que passaram a misturar em suas tattoos realismo, arte gráfica e scratchs e tem como característica marcante o uso apenas de preto e vermelho.

Quando se fala em cores o primeiro nome que vêm a mente dessa nova geração é a artista americana Amanda Wachob. Graduada em artes pelo Purchase College de Nova Yorque, Amanda buscou inspiração na arte de Hans Hofmanne Jackson Pollock e suas tatuagens pinceladas, que receberam o nome de Painting Tattoos vieram posteriormente inspirar o surgimento do estilo Aquarela, que tem como expoentes os artistas Niko Inko, Sasha Unisex e Ondrash.

O  Dot Work, conhecido por aqui como pontilhismo é um outro estilo contemporâneo. Inspirado na arte gráfica do Sec. XIX ele ganhou nova dimensão com o uso e abuso de geometrismo e padrões gráficos em trabalhos de grande porte. Nomes como Thama Lee e Marco Gaudo são os principais expoentes dessa categoria.


O que esperar da tatuagem nos próximos anos? É bem certo que estilos tradicionais vão continuar sendo tatuados e tendo seu espaço garantido nos estúdios, entretanto cada vez mais o publico se torna receptivo para estilos mais novos como Polkas, Scratch e Aquarelas. Um termômetro disso são as convenções que aos poucos abrem espaços para essas categorias em suas competições.


E ai? O que você acha de carregar uma obra de arte pós moderna e exclusiva em sua pele? 



Tattoo Soul e o processo criativo dos mestres da Trash Polska.





O trabalho de Leon Lan-Hiem é marcado pelos rabiscos característicos do estilo Scratch.



Uma das composições com mais de uma tela do Little Swastika.



Collages Digital por Xoil Needles


Marco Gaudo um principais nomes do DotWork.


Amanda Warchob busca inspiração na arte abstrata para construir suas tattoos.


Aquarelas multicoloridas uma marca do trabalho da Sacha Unisex.


Sóstenes Carneiro Lopes
Jornalista de formação, é tatuador no
 estúdio Mahadeva Custom Tattoo e 
Professor de Linguagem Visual na 
graduação em Arte e Midia /UFCG

domingo, 24 de maio de 2015

UKIYO-Ê – A ARTE QUE INFLUENCIOU A TATUAGEM JAPONESA

.
..Viver apenas o momento presente, 
entregar-se inteiramente à contemplação da lua, 
da neve, da flor de cerejeira e da folha de plátano ... 
não se deixar abater pela pobreza e não deixá-la 
transparecer em seu rosto, mas flutuando 
como uma cabaça na corrente do rio: 
que é chamado de Ukiyo...

Asai Ryōi - Ukiyo Monogatari 


Foi no período Edo entre os séculos XVII e XIX que surgiu no seio das classes mais baixas da sociedade japonesa um estilo artístico que viria  servir de base para o universo pictórico da tatuagem oriental. Ao contrário dos estilos clássicos como o Yamato-ê que retratava a nobreza e do Sumi-ê que abordava temáticas religiosas, esse novo estilo se voltou para a vida cotidiana mostrando artistas do popular teatro Kabuki, Cortesãs, lutadores de Sumô, mitos populares, paisagem e até cenas eróticas. Seu nome, Ukiyo-ê, ou em bom português “retratos de um mundo flutuante” em alusão ao pensamento budista sobre a efemeridade do mundo.

Derivado da Xilogravura herdada dos chineses, o Ukiyo-ê aparece pela primeira vez na década de 1670 a partir dos trabalhos monocromáticos de Hishikawa Moronobu, um ilustrador e impressor de livros ehon, que passou a vender folhas avulsas com objetivo de baixar custos e tornar seus trabalhos mais accessível a população urbana. Foi somente no século XVIII que surgiu a técnica do nishiki-ê criada por Suzuki Haronobu que permitiu impressões multicoloridas que tanto caracterizam o estilo.

Para se fazer uma folha de Ukiyo-ê é necessário muita dedicação e cuidado, primeiro o desenho é feito a mão, posteriormente é gravada com um buril em uma matriz de madeira que vai ser utilizada para impressão. Para cada cor do desenho  exigi uma matriz diferente e utiliza um sistema de registro para que cada cor seja impressa em seu devido lugar. As tiragens giram em torno de 100 a 300 exemplares o que vai depender do desgaste da matriz.

Grandes mestres surgiram na era de ouro do Ukiyo-ê, Hokusay, Hiroshigui, Utamaro e Kunisada são alguns dos mais importantes. KatushiKa Hokusay talvez seja dentre eles o mais lembrando, é dele a famosa gravura “A grande Onda de Kanagawa”, integrante da série As trinta e seis vistas do Monte Fuji, bem como as Hokusay Manga que deram origem posteriormente aos quadrinhos japoneses. Ele também publicou várias Shungas, gravuras eróticas que embora proibidas faziam muito sucesso entre a população.

A ligação entre o Ukiyo-ê e a tatuagem se deu principalmente a partir da tradução por Bakin do Suikoden, um conto chinês do século XIV sobre as aventuras de 108 guerreiros que lutavam protegendo os mais pobres. O Suikoden  virou febre no teatro Kabuki e artistas com Kunyioshi e Hokusai foram convidados a produzir gravuras com o tema para o teatro. Alguns os heróis do conto como Byôtaichû Setsuyei e Kyumonryô Shishin tinham seus corpos cobertos de desenhos. Logo carregadores de palanquins, facínoras, bombeiros e gravadores de Ukiyo-ê começaram a estampar seus corpos com tattoos inspirados nesses heróis. O Ukiyo-ê então se torna a maior fonte de inspiração para a tatuagem japonesa.

Com a Era Meiji e a abertura do Japão para o ocidente, o Ukiyo-ê que estava em decadência na sua terra natal, cai no gosto da Europa. As folhas inicialmente chegam ao Velho Mundo embalando peças de porcelana e outras mercadorias mais logo se tornam objetos de desejos de colecionadores e    chama atenção de jovens artistas europeus, influenciando escolas tão diversas com o Impressionismo e o Cubismo.

Após a Segunda Guerra o estilo renasce no Japão a partir de jovens artistas e com a popularização e reconhecimento tatuagem japonesa ela deixa as folhas de papel e ganha o mundo gravando “os retratos de um mundo flutuante” na pele de pessoas dos cinco continentes.


Video mostrando o porcesso de Impressão do Ukiyo-ê




Grande Onda de Kanagawa por Hokusai




Sunga, gravura erótica por Hokusai



Gueisha por Utamaro



Guerreiro do Suikoden por Kunyioshi




Tatuagem feita por mestre Horiyoshi III com tema do Ukiyo-ê






Sóstenes Carneiro Lopes
Jornalista de formação, é tatuador no
 estúdio Mahadeva Custom Tattoo e 
Professor de Linguagem Visual na 
graduação em Arte e Midia /UFCG

domingo, 17 de maio de 2015

A VELHA ESCOLA DA TATUAGEM



“Se você não tem culhões para ter uma tattoo, não faça uma.
 Mas não fique criando desculpas para si mesmo ao falar mal de quem tem“

(Sailor Jerry)


O Old School tem sua origem no final do Sec. XIX junto com a tatuagem elétrica criada por Thomas Edson e aperfeiçoada pelo tatuador Samuel O'Reilly, um irlandês que trabalhou por vários anos na região de Nova Iorque.

Com a morte de O´Reilly, seu aprendiz Chales Wagner continuou seu legado tatuando por quase 50 anos, definindo as bases do que veria a ser o estilo da Velha Escola. Wagner ficou famoso principalmente pelas tatuagens das damas do Circo como Irene Woodward, Mildred Hull e Lotta Pictoria e também por ter patenteado a primeira máquina de tatuagem com bobinas em linhas, que terminaria por dar origem as máquinas modernas.

Os primeiros estúdios de tatuagem eram localizados na zona portuárias e distritos da luz vermelha e seus clientes em geral eram freaks que se apresentavam em circos, marinheiros civis ou militares, e toda sorte de outsiders que marcavam seus corpos com desenhos de flores, andorinhas, ancoras, águias, bandeiras americanas e mulheres nuas.

Devido as limitações da técnica na época os traços eram grossos (Bold Lines), a paletas de cores reduzidas ao Preto, Vermelho, Azul, Verde e Amarelo e as sombras duras chamadas de Spit Shade , ou sombra do cuspe, devido aos tatuadores usarem o próprio cuspe para diluir a tinta em seus desenhos de papel chamados  Set Flashs. Foram essas limitações que deram as caracteristicas particulares do estilo.

Nomes como George Burchett, Cap Coleman, Amund Dietzel, Doc Fobes, Bob Shaw, Percy Water, Don Ed Hardy e tantos outros foram cruciais para a definição do estilo, produzindo ao longo de suas carreiras muitos desenhos que terminaram por fazer parte do universo pictórico do Old. Mas dois nomes são os mais lembrados quando se fala no estilo da velha escola, o Bert Grimm e o Norm Collins.

Um contador de casos, Bert Grimm começou sua carreira de tatuador aos 16 anos, viajando com o circo do Buffalo Bill. Foi um dos primeiros artistas a instalar seu estúdio o Bert Grimm´s World Famous Tattoo em Long Beach Nuk-Pike, um dos principais points da tatuagem americana nos velhos tempos. Seus famosos desenhos patriotas e  temas navais foram imortalizados pela mídia nas fotografias de artistas da tatuagem como Bob Shaw e Lyle Turtle e seus corpos cheios de arte de Bert.

Norm Collin, mais conhecido como Sailor Jerry, teve seu primeiro contato com a tatuagem na adolescência como aprendiz de Thomas Gib em Chicago e aos 19 anos entrou para a marinha onde conheceu a tatuagem do sul da Asia. Ao voltar para a América se estabeleceu em Honolulu no Havaí tatuando principalmente “marines” que partiam para a Segunda Grande Guerra.

Seus desenhos limpos e preciso com cores saturadas s tornaram um símbolos do estilos e Sailor Jerry é hoje o artista mais lembrado do Old School. As caravelas, pinups, garrafas de bebidas faróis e andorinhas criadas por ele ultrapassaram o universo da tatuagem e podem ser vistas hoje em camisas, acessórios e até em marca de Rum.

O estilo foi dominante no mundo da tatuagem do final do Séc XIX até meados do Séc XX até que na década de 50 começou em várias cidades dos Estados Unidos uma campanha em massa para banir as tatuagens, muitos estúdios fecharam suas portas e o Old School caiu em desgraça como um estilo marginal.

No final dos anos Janis Joplin, fez a aproximação o universo da tatuagem com a musica. Sua tatuagem feita pelo artista Lyli Turtle logo fez sucesso junto ao público jovem trazendo uma nova cara para a tatuagem, com desenhos mais elaborados e uma cartela de cores mais ampla. Era realmente o fim da Velha Escola.

A reabilitação do estilo só veio acontecer no começo dos anos 2000 com os reality shows da tv como Miame Ink, a massiva popularização das roupas da marcar como Ed Hardy e a Internet que levou o old aos quatro cantos do mundo. Hoje uma nova geração se dedica com firmeza ao estilo levando a frente as imagens a, a tradição e o espírito da Velha Escola.

Be rude, be Old School!!!




Chales Wagner em seu estúdio no começo do Séc. XX



Cap Colleman e seu estúdio na Virginia.



Set Flash com as famosas andorinhas do Sailor Jerry.



A tatuagem Old é repleta de significados separei aqui cinco dos mais populares desenhos do estilo:

Ancoras - simboliza estabilidade e segurança uma lembrança para o marinheiro se manter sempre na linha.

Andorinhas - reservadas ao marinheiros que ultrapassavam as 5000 milhas náuticas, é um símbolo de boa sorte e retorno garantido para casa.

Águia - significando bravura e honra é um dos símbolos da armada americana.

Rosas - tema muito comum no estilo é o símbolo do amor puro e compassivo.

Sereia - a força feminina capaz de afastar o marinheiro de sua rota.










Sóstenes Carneiro Lopes
Tatuador, Prof de Linguagem Visual  e Jornalista

domingo, 10 de maio de 2015

TATUAGEM E TABU - ARTE ANTIGA E POUCO COMPREENDIDA



Tabu: do polinésio (Tongan e Maori) aquilo que é sagrado, intocável



Tattoo: do polinésio a arte de pintar o corpo

A tatuagem foi durante muito tempo tratada como um tabu pela sociedade ocidental, coisa do submundo pertencente aos marinheiros, prostitutas e foras da lei. Foi só com a exposição na grande mídia que aos poucos esse paradigma foi sendo modificado e a arte da tatuagem ganhou espaço nas ruas e no mercado de trabalho.

A trajetória dessa nobre e antiga forma de arte remota alguns milênios, o homem de Otzi encontrado nos Alpes entre a Áustria e Itália é a mais antiga múmia tatuada, com cerca de 5300 anos. Praticada no mundo todo por diversas culturas, sua forma moderna se deve aos povos das ilhas da polinésia no pacífico sul.

Foi por volta de meados do Sec. XVIII que o capitão Inglês James Cook, teve contato com grupos tatuados nas ilhas do Taiti e Aoteaora(atual Nova Zelândia), onde a arte era praticada pelos nobres e guerreiros como símbolo de status e identidade social. Posteriormente a tatuagem foi levada para o Ocidente na pele dos marinheiros que cruzavam os mares do Sul. Vários nobres da Europa como o rei George V da Inglaterra, seu primo o Cza Nicolau II e Frederick IX da Dinamarca eram adeptos da nova moda vinda dos povos distantes. George V por exemplo tinha um dragão feito quando jovem a serviço da Armada Inglesa de autoria do mestre japonês Horichiyo.

O que parecia ser o ressurgimento da arte da Europa sofre um revés, em 1879 a justiça inglesa adota a tatuagem para identificação de prisioneiros e a partir dai a tatuagem ganha uma conotação marginal. O preconceito ganha ainda um reforço maior a partir da equivocada publicação “L ´Uomo Delincuente” do médico Italiano Cesare Lombroso.

A tatuagem nos primeiros anos do Século XX foi vista como costume bizarro a ser exibida em atrações do tipo “freak shows” de circos como o famoso Rigling Brothers.

A reabilitação da tatuagem no Ocidente só reinicia a partir da Segunda Guerra, quando os fuzileiros navais americanos adotam a arte corporal como símbolo de bravura e amor a pátria. É nesse contexto que surgem os estúdios de tatuagem modernos próximos a bases da marinha, como o do famoso tatuador e pioneiro americano Sailor Jerry. O personagem infantil Popeye, que era tatuado, é um bom exemplo desse novo momento da tatuagem.

Foi só entre os anos 60 e 70 que a tatuagem cruzou com o mundo da música e várias personalidades do Rock passaram a ostentar tatuagens representando liberdade e rebeldia. Astros como Janis Jolpin, Bon Scott do ACDC e Ozzy Osbourne faziam questão de mostrar seus desenhos em capas de disco e fotos de divulgação.

Nesse período a indústria da tatuagem ganha força, grandes fabricantes de tintas e suplementos surgem e as Convenções de Artistas ao redor do mundo contam com a participação de milhares de pessoas, alguns até sem nenhuma tatuagem.

A grande virada com relação ao tabu, de fato acontece nas primeiras décadas do segundo milênio, programas de TV a cabo como Miami Ink, Los Angeles Ink e Ink Master e a própria Internet foram cruciais para uma nova percepção da arte da tatuagem. Hoje ela passa a ser vista como linguagem corporal e expressão artística individual. Embora ainda exista um pouco de preconceito, é comum ver nas repartições públicas, consultórios, escritórios e lojas competentes profissionais exibindo orgulhosamente suas tatuagens.

Espera-se que com o decorrer dos anos esse forma de arte tão antiga quando a própria civilização seja despida de todos os tabus e preconceitos e abraçado como uma manifestação autêntica da natureza criativa do homem.



Muitas águas ainda vão correr!


Tatuagens da Pincesa Ukok, mumia encontrada na Sibéria com aproximadamente 2500 anos.


Uma das Tatuagens do Homem de Otz, 5300 A.C.


Capitão Cook batizou a pratica com o nome de Tattoo



Sailor Jerry um dos prioneiros da Tatuagem moderna.



O joven principe Albert, futuro George V sendo tatuado por Horichyio.







Sóstenes Carneiro Lopes
Jornalista de formação, é tatuador no
 estúdio Mahadeva Custom Tattoo e 
Professor de Linguagem Visual na 
graduação em Arte e Midia /UFCG